"Nós temos seis, eles têm uma”. Quase uma entidade no Boca Juniors,  Juan Román Riquelme proferiu esta frase um dia antes do duelo contra o  Corinthians, pelas oitavas de final da Libertadores. Machucado, ele nem  precisou entrar em campo para os xeneizes mostrarem por que devem ser  sempre respeitados. Sempre. Com a disposição de 11 dentro de campo e  outros 50 mil fora dele, o Boca fez 1 a 0 em um preguiçoso Timão na  noite desta quarta-feira, em La Bombonera, e saiu à frente na luta por  uma vaga nas quartas de final.
   Com o resultado, o Corinthians precisa vencer por dois gols de  diferença o confronto de volta, dia 15 de maio, no Pacaembu. Vitória  alvinegra por 1 a 0 leva a decisão para os pênaltis. Depois do gol  marcado por Blandi, aos 13 do segundo tempo, o Timão parecia ter se  reduzido não a um time que “só tem uma Libertadores”, mas sim a algum  outro que nunca havia jogado a competição. O nervosismo demonstrado em  campo foi incomum. 
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 O Boca ainda é aquele seis vezes campeão do torneio, treinado pelo  mítico Carlos Bianchi, mesmo que em campo essa tradição enorme não seja  traduzida em tanto talento. Bastou a mística e um pouco de competência  para os argentinos marcarem com Blandi aos 13 do segundo tempo. O Timão  sentiu o gol, chegou a esboçar reação, mas não merecia melhor sorte em  Buenos Aires. Nem a expulsão de Ledesma, aos 38 da etapa final, fez a  equipe brasileira crescer.
   Antes de pensarem no jogo de volta das oitavas, os dois rivais têm  clássicos pela frente, ambos no domingo. O Boca recebe o River em La  Bombonera pelo Campeonato Argentino, enquanto o Corinthians enfrenta o  São Paulo no Morumbi, pela semifinal do Campeonato Paulista – jogo  único. 
 
Paulinho protege a bola de adversário, no tenso jogo entre Boca Juniors e Corinthians (Foto: AP) 
Novo tratamento, velhas confusões Durante a semana, muito se falava sobre o maior respeito do Boca diante  do Timão em relação ao ano passado, quando a equipe brasileira ainda  buscava seu primeiro título continental. A diferença de tratamento pôde  ser percebida desde o início, com a pressão da torcida local na mítica  La Bombonera, a maior cautela dos xeneizes no ataque e, principalmente, a  postura corintiana em campo.
 Não que o time do ano passado tivesse sentido a pressão, tanto que  empatou por 1 a 1 o primeiro jogo da final e foi confortável para a  decisão em casa. Desta vez, porém, o Corinthians soube ser matreiro nas  condições mais adversas. O Boca foi mais incisivo no primeiro tempo e  quase chegou duas vezes ao gol em jogadas aéreas – Burdisso, aos 35, e  Blandi, aos 42, levaram perigo a Cássio. 
 
Clemente Rodríguez disputa com Romarinho (EFE) 
Mesmo com o maior volume de jogo do Boca, a sensação foi de que o Timão  não se assustou em nenhum momento. Pareceu até gostar do clima mais  quente – Emerson Sheik que o diga. Logo de cara, o atacante retomou ao  entrevero do ano passado com o zagueiro Caruzzo, ao demorar para  devolver a bola e incitar os rivais por uma suposta falta de fair play. O  mesmo Sheik soube cavar faltas e até um cartão amarelo para Marín.
 Romarinho, herói corintiano na Bombonera em 2012, também não é dos mais  queridos pelo Boca. Caçado pelos jogadores e xingado pela torcida, o  atacante mostrou frieza e “amarelou” um xeneize – o volante Leandro  Somoza. Paulo André se desentendeu com Erviti, outro que adora uma  confusão. Pequenos atos que mostraram um Corinthians maduro, mesmo sem o  futebol que se espera do atual campeão do mundo.
 A própria torcida do Boca, 12º jogador em todas as partidas, colaborou  para esfriar o jogo em alguns momentos. Por três vezes, o sistema de som  do estádio pediu que os torcedores parassem de mirar lasers no gramado –  sob o risco de o jogo ser suspenso. O árbitro Enrique Osses chegou a  parar a partida para informar o problema às autoridades. 
 
Fabio Santos tenta bloquear chute de Erviti, do Boca Juniors (Foto: EFE) 
Timão sente pressão e leva o golpe
   Toda a tranquilidade mostrada na etapa inicial desapareceu em questão  de pouco tempo. A começar pela saída de Danilo, lesionado, antes mesmo  dos cinco minutos – o meia é quem dita o ritmo, quem segura a bola. Com  Jorge Henrique em seu lugar, o Timão se retraiu um pouco mais e esperou o  Boca. Mesmo limitado, o time da casa cresceu na base da disposição, da  camisa, da torcida. 
 
Paulo André, na marcação (Foto: AP) 
Cássio começou a trabalhar mais. Os dois chutes de Sanchez Miño de fora  da área foram tranquilos, e o Corinthians, aos poucos, parecia retomar  as rédeas do jogo. Até que a sonolência cobrou seu preço. A dupla de  zaga formada por Paulo André e Gil, tão elogiada na primeira fase da  Libertadores, dormiu quando não podia. Aos 13 minutos, Erbes chutou  cruzado, e Blandi se infiltrou no meio dos dois defensores para  finalizar sozinho e enlouquecer a Bombonera: 1 a 0.
   Pela primeira vez nesta Libertadores, o Corinthians sentiu o golpe.  Passes simples viraram um problema gigante. Em um lance emblemático,  Ralf estava a alguns passos de Fábio Santos e conseguiu errar o alvo.  Novos erros da zaga possibilitaram contra-ataques, que só não terminaram  em gol porque o Boca, apesar de gigante na tradição, atualmente é um  time limitado.
   Do banco, Tite resolveu incrementar o ataque com Pato no lugar de  Romarinho, justamente o melhor corintiano em campo no segundo tempo – no  chute que exigiu defesa difícil de Orión e na jogada que originou um  chute na trave de Guerrero. Na sequência, Ledesma mandou para a rede,  pegando rebote de um estabanado e fora de ritmo Cássio - mas o gol foi  corretamente anulado, por impedimento. No calor da Bombonera, Ledesma  não ouviu o apito do juiz e saiu comemorando como um louco. Tirou a  camisa e levou o cartão amarelo. Um minuto depois, fez falta feia e foi  expulso, indo de herói a vilão em um instante.
   Mas já não havia tempo para o empate. O Corinthians tem condições de  virar o jogo e conseguir a classificação às quartas de final, mas agora  sabe que não se brinca com uma camisa seis vezes campeã da América. 
 
Autor do gol do Boca, Nicolas Blandi é cumprimentado pelos colegas de time (Foto: AFP)