O ansioso blogueiro teve o prazer de lançar “O Quarto Poder – uma outra história” na Universidade Federal de São Carlos, a Ufscar, um centro de excelência, especialmente no campo das Exatas.
Numa palestra para cerca de 400 convidados, o ansioso blogueiro começou assim (a reprodução não é literal):
A propósito, leiam também, no Vermelho, imperdível entrevista do economista e professor da Unicamp Eduardo Fagnani.
(Veja o que o Conversa Afiada e o professor Belluzzo disseram desse artigo - PHA)
E apontam que cortes de gastos do governo, privatização, livre comércio e abertura de capital podem ter custos significativos em termos de maior desigualdade. Mas aqui, a "equipe econômica dos sonhos" (dos detentores da riqueza?), na contramão do mundo, vai aprofundar ainda mais a gestão ortodoxa.Em suma, com Temer, estamos assistindo ao impeachment do processo civilizatório. Todos os instrumentos necessários para o desenvolvimento econômico e social estão sendo destruídos. O golpe contra a democracia representa oportunidade histórica para aprofundar radicalmente a agenda liberal conservadora – projeto que foi derrotado pelo voto popular nas últimas quatro eleições.
Correio da Cidadania: Estão sendo anunciadas diversas medidas de cortes de gastos públicos, que impactarão áreas sociais. Qual é a extensão real, a seu ver, do déficit público? E como enxerga, primeiramente, as novas regras que estabelecem que despesas de um ano não possam ser maiores do que a inflação do ano anterior, ao lado da desvinculação das despesas com saúde e educação como uma proporção da receita? São medidas de fato necessárias para controlar o déficit fiscal?Eduardo Fagnani: A crise financeira internacional de 2008 abalou a confiança, destruiu riqueza, paralisou o crédito e levou à contração da atividade em quase todo o planeta. A crise global do capitalismo, associada aos equívocos domésticos, bem como ao fim de um ciclo de expansão ancorado parcialmente no mercado interno, desaceleraram gradativamente a economia ao longo do primeiro governo de Dilma Rousseff. Mas, para os economistas liberais brasileiros, o mundo viajava em "céu de brigadeiro" e os problemas econômicos eram exclusivamente fruto do "excesso de intervenção do Estado". O "terrorismo" econômico intensificou-se com a proximidade das eleições de 2014. Com o apoio dos meios de comunicação, criou-se um cenário de "crise terminal". O principal argumento estava relacionado ao déficit primário de 0,6% do PIB ocorrido em 2014. Essa construção ideológica não leva em conta que entre 2002 e 2013 a relação dívida líquida/PIB reduziu-se quase à metade (de 60% para 33% do PIB); e que o Brasil foi um dos poucos países do mundo que gerou expressivos superávits primários (em média, cerca de 3% do PIB ao ano). .
Os países desenvolvidos e alguns emergentes incorreram em expressivos déficits primários durante o período 2009-2014. Nos casos dos EUA, Japão, Inglaterra e Índia, por exemplo, o déficit primário anual médio nessa quadra atingiu, respectivamente, -7%, -8,6%, -5,8% e -3,6% do PIB. Nos países mais duramente afetados pela crise de 2008 (Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia, por exemplo), os patamares são dramaticamente superiores. Se um país que gerou superávit fiscal por mais de uma década e, num único ano, apresentou déficit primário de apenas 0,6% do PIB, está em "crise terminal" e imerso em dramática "irresponsabilidade fiscal", o que dizer de países que desde 2009 apresentam déficits primários elevadíssimos (EUA, Japão, Canadá, Reino Unido, Portugal, Irlanda, Espanha, Grécia e Índia, por exemplo)? Qual o problema de haver déficit primário de cerca de 1% ou 2% do PIB ao ano, por exemplo, durante um curto período, para enfrentar e superar o final de um ciclo econômico, sem perder a perspectiva do longo prazo? .
O fato grave é que, num contexto em que a comunicação do governo Dilma optou por não disputar ideias, não enfrentar o debate e sequer defendeu as suas ações, a narrativa liberal passou a ser hegemônica junto à opinião pública. O próprio governo alterou a sua rota e cometeu "haraquiri" após a vitória eleitoral, ao ceder às pressões do mercado, adotar o projeto derrotado nas urnas e colocar no Ministério da Fazenda um dos porta-vozes do "terrorismo econômico". O atual funcionário do FMI fez seu serviço, colocando o país, que não estava em crise severa, numa grave recessão. .
O governo Temer vai duplicar a aposta de Joaquim Levy. Vende a ilusão de que sem ajuste fiscal nada será possível (baixar juros, crescer, criar emprego etc.). Como disse o professor Pedro Rossi, da Unicamp, para os liberais brasileiros o ajuste fiscal (das contas primárias, que exclui as despesas financeiras) transformou-se numa espécie de
Posto Ipiranga. Essa centralidade equivocada não é técnica nem é neutra. Ela serve de justificativa para destruir o Estado Social e implantar o Estado Mínimo liberal. "Não há alternativas", voltam a sentenciar, a não ser ampliar as severas restrições ao gasto social que estão em curso.
A ampliação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) de 20% para 30%, recém-aprovada pelo Congresso, alastrou a captura de recursos que a Constituição atrelava ao financiamento da Seguridade Social e da Educação. Em breve, outras mudanças constitucionais que visam acabar com a vinculação de recursos fiscais para Saúde e Educação serão enviadas para o Congresso. Mais grave é a Proposta de Emenda à Constituição PEC 241/16 que congela gastos públicos por 20 anos. Chamada de "Novo Regime Fiscal", a PEC limita as despesas primárias da União aos gastos do ano anterior corrigidos pela inflação. Estudos realizados por especialistas apontam que, se for adotada essa PEC, em dez anos haverá redução de gastos superiores a 40% em áreas como saúde, educação e previdência. .
O dito "Novo Regime Fiscal" desestrutura por completo o Estado Social. Se vier a ser aprovado e cumprido, inviabilizará a vinculação de recursos (educação e saúde) e o atrelamento do piso dos benefícios ao salário mínimo (Previdência e Assistência Social). Na renegociação das dívidas com os governos estaduais, o governo federal impôs o teto de gastos para estes entes federativos, o que também afetará essas áreas, dado o caráter cooperativo da gestão federativa em áreas como educação, saúde e assistência social. .
Correio da Cidadania: Por que seria tão brutal o impacto nas áreas sociais, conforme os números apresentados aqui? .Eduardo Fagnani: Um corte brutal de gastos estimados em mais de 40% em dez anos desarticulará ainda mais as ações dos governos federal, estaduais e municipais em tais áreas. Eis um dos "cavalos de Troia" para impor o Estado Mínimo: políticas pobres dirigidas somente para os pobres definidos pelo establishment internacional (o indivíduo que ganha menos de um ou dois dólares por dia). O restante da população (os "não pobres") que comprem serviços sociais no "mercado". O propósito é desestruturar o Estado Social e impor o Estado Mínimo liberal. .
Com o fim da vinculação de recursos para a educação, retrocederemos ao início dos anos 1930. Como se sabe, a Constituição de 1934 introduziu a obrigatoriedade de União, estados e municípios aplicarem percentuais mínimos das receitas de impostos em educação. Esse dispositivo foi excluído da Carta de 1937 e foi reincorporado na Constituição de 1946. O regime militar manteve a obrigatoriedade apenas para os municípios. Posteriormente, a Constituição de 1988 restabeleceu o mecanismo. .
No caso da Saúde, voltaremos ao chamado "buraco negro" do financiamento do SUS vivido no início dos anos de 1990, quando o governo Itamar Franco decidiu utilizar integralmente as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de salários para cobrir os benefícios previdenciários. A subtração dessa base financeira vigente desde a ditadura comprometeu estruturalmente o início da implantação do SUS. Este ‘buraco negro’ permaneceu até 1996, quando o Congresso Nacional aprovou a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). .
Mas, como se sabe, uma vez aprovada como contribuição "vinculada" ao SUS, a área econômica do governo FHC passou a utilizar a CPMF segundo as conveniências da gestão das contas públicas. Nesse cenário, ainda em meados dos anos 90, parlamentares ligados ao movimento sanitário apresentaram proposta de Emenda Constitucional que vinculava recursos à saúde. Após longa tramitação, somente em 2002 foi aprovada a Emenda Constitucional n. 29/2002 que estabeleceu vinculação dos orçamentos nos três entes federativos. Agora, querem enterrar essa emenda e restabelecer o "buraco negro".