Em fase final de recuperação de um problema no ombro direito, Murilo acreditava que o seu fim de ano seria tomado apenas por sessões de fisioterapia, treinamentos e cuidados com o seu pequeno filho, Arthur. Porém, a rotina do ponteiro de 33 anos mudou bastante há exatamente uma semana, quando a Controladoria Geral da União (CGU) apontou uso indevido da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) de dinheiro público proveniente do milionário patrocínio do Banco do Brasil. Foi o estopim para que um dos mais vitoriosos esportes do país entrasse em uma grande crise, aumentada pela suspensão temporária do apoio do banco estatal. Indignado e sentindo traído por ter ajudado a CBV a construir uma imagem limpa, Murilo, titular da seleção brasileira, não conseguiu se calar diante da situação e assumiu a função de líder dos jogadores, encabeçando protestos - como o uso de narizes de palhaço na rodada do último fim de semana - e assumindo de vez a condição de importante voz do desporto nacional.
Murilo concede entrevista na sede do Sesi-SP (Foto: David Abramvezt)
- Não é um protesto só dos jogadores e técnicos. É um apelo do público em geral e do nosso país. O Brasil está precisando mudar essa imagem de país da impunidade. As pessoas que cometem erros precisam pagar por seus erros - disse Murilo, após treino na sede do Sesi-SP, na Vila Leopoldina, em São Paulo.
Com ainda mais visibilidade, o marido da ponteira bicampeã olímpica Jaqueline diz que espera ter uma participação cada vez mais importante na vida política do vôlei nacional. Depois de anos apenas elogiando a estrutura do esporte, fazendo coro às conquistas dos dirigentes, Murilo conta que chegou a hora de mudar de lado.
- Para ser sincero, eu não penso no que eu vou deixar em relação a tudo isso. Eu penso que em decorrência de todos esses títulos que eu conquistei e pela importância que eu tenho para o vôlei nacional, eu tenho que me pronunciar. E acho que eu escolhi o lado certo: o lado dos atletas.
A denúncia do CGU de problemas ocorridos na gestão de Ary Graça como presidente da CBV causou, de acordo com Murilo, um efeito colateral imediato. Como o cartola, que deixou a entidade nacional no início deste ano, também é presidente da Federação Internacional de Vôlei, o ponteiro acredita que a pesada punição dada pela FIVB na semana passada é uma retaliação comandada por Ary. Por conta de uma confusão durante um jogo contra a Polônia e ausência em duas entrevistas coletivas do Mundial da Polônia, em setembro, Bernardinho foi suspenso por 10 partidas e recebeu uma multa de US$ 2.000 (cerca de R$ 5.400); o líbero Mário Junior foi suspenso por seis jogos; o próprio Murilo pegou uma partida; e Bruninho recebeu multa de US$ 1.000 (R$ 2.700). Após a pena ser anunciada, a CBV decidiu abrir mão de sediar as finais da Liga Mundial, em julho de 2015. Para o camisa 8 da seleção brasileira, a tendência é que a FIVB passe a pegar ainda mais pesado com a equipe nacional, prejudicando o caminho verde-amarelo nas grandes competições entre nações.
- A gente achava que tendo um presidente brasileiro na FIVB, não que facilitaria nossa vida, mas que não teríamos problemas. Mas infelizmente é o contrário, parece que joga contra o seu país.
Murilo ataca bola para cima de bloqueio duplo
polonês no Mundial da Polônia, neste ano
(Foto: FIVB)
- O CT já está completando dez anos e a gente tem brigado por algumas mudanças. Mas às vezes, a gente precisa escutar que não tem dinheiro, por exemplo, para trocar os colchões. A gente precisa de colchão novo, porque eles já estão há dez anos lá, mas eles falam que precisa ir devagar porque não tem dinheiro. A academia já tem dez anos, tem maresia e tal e a academia já está bem velha, mas eles dizem que não tem verba, e trocaram só alguns aparelhos. Aí você vai pensando e vai começando a ver que são coisas pequenas perto do que estamos falando. Imagina se estivessem investindo todo esse dinheiro desviado. A gente teria um centro de primeiro mundo.
Em entrevista ao GloboEsporte.com, Murilo também falou bastante sobre a possibilidade anteriormente revelada de cogitar não defender mais a seleção por conta da crise na CBV, a organização dos jogadores neste momento, a realização de novos protestos, bem como a previsão de futuro para o vôlei brasileiro. Leia a íntegra:
GLOBOESPORTE.COM: Desde a divulgação do caso, você virou um líder dos jogadores. Como tem sido os seus últimos dias depois de você ter se manifestado?
MURILO: Tem sido bastante corrido. O caso tomou uma proporção grande, como dever ser. Os protestos atingiram bastante gente e conseguimos fazer com que as pessoas soubessem o que está acontecendo dentro da CBV. Tínhamos que pressionar para que as irregularidades fossem encaminhadas para o Ministério Público ou para a Polícia Federal, quem tem que investigar. Aí, eles vão decidir se vai existir pena e se o dinheiro vai ser ressarcido.
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Você e os outros jogadores estão encontrando bastante apoio nesta luta?
Eu gostaria de agradecer, porque não preciso nem pedir o apoio, seja através de redes sociais, que hoje é o meio mais fácil de se comunicar, ou por outros meios. Eu quero agradecer o apoio de todos. Quando fizemos o protesto com o nariz, todo mundo ficou de pé no ginásio e aplaudiu, então não é um protesto só dos jogadores e técnicos, é um apelo do público em geral e do nosso país. O Brasil está precisando mudar essa imagem de país da impunidade. As pessoas que cometem erros precisam pagar por seus erros. O futuro do vôlei brasileiro está em jogo.
Não fomos procurados por ninguém de dentro da CBV. As nossas reclamações e protestos são legítimos. Não estamos fazendo nada demais, não estamos fazendo acusações diretas. Estamos cobrando que os hoje líderes da CBV corram atrás e que os responsáveis sejam punidos ou devolvam esse dinheiro. Eu gostaria de ter uma resposta do que está sendo feito pela CBV. A gente sabe de bastidores que a CBV tem uma data para apresentar soluções ao Banco do Brasil para a retomada do patrocínio. Pensando como jogador da seleção, isso precisa ser feito o mais rapidamente possível, porque a gente não pode deixar descontente um patrocinador com mais de 20 anos de patrocínio, porque nós estamos a menos de dois anos das Olimpíadas e não podemos nos dar ao luxo de para correr atrás agora de patrocínio.
Você esperava neste fim de ano ter que se preocupar com algo além do seu tratamento no ombro para voltar a jogar?
Eu tenho tentado ao máximo conciliar, antes ou depois do treino para tentar atender todo mundo. Aumentou bastante a procura. Eu acho importante, apesar do cansaço e da disposição, que os atletas se pronunciem e continuem cobrando. Não podemos deixar que isso tudo caia no esquecimento de novo.
Vocês pensaram em novos protestos após o uso de narizes de palhaço na rodada do fim de semana da Superliga?
Estamos agora aguardando uma resposta. Não adianta a gente fazer isso toda rodada, porque acaba atrapalhando também o campeonato. As pessoas precisam de um tempo para se organizar. Se quiserem conversar, nós estamos disponíveis. Mas não vamos deixar cair no esquecimento. Agora a gente vai entrar no período de festas, de Ano Novo. Seria excelente se a gente tivesse uma resposta antes de tudo isso, porque a Superliga também vai dar uma paradinha. Mas, em janeiro, nós vamos voltar a falar sobre isso.
Jogadores de Sesi-SP e Cruzeiro usam narizes
de palhaço antes do jogo do último sábado
(Foto: David Abramvezt)
Para ser sincero, eu não penso no que eu vou deixar em relação a tudo isso. Eu penso que em decorrência de todos esses títulos que eu conquistei e pela importância que eu tenho para o vôlei nacional, eu tenho que me pronunciar. E acho que eu escolhi o lado certo: o lado dos atletas. A maioria não tem a oportunidade de falar diante das câmeras ou talvez não seja acha tão importante. Mas eu acredito que todos são importantes e devem opinar. A gente sempre vai respeitar a opinião de todos e a maioria sempre vai acabar decidindo. Não adianta eu querer decidir pelo vôlei brasileiro. Todos estão participando. As decisões dos protestos todos os jogadores aceitaram e estão envolvidos nisso.
Como está sendo organizado esse grupo de jogadores?
Tentamos fazer com que tenha pelo menos um representante de cada equipe (14 da Superliga). Se a gente fosse reunir todos os jogadores em grupo de aplicativo no celular, iria ficar complicado se organizar. Essa manifestação que a gente fez foi tudo muito rápido. Não podíamos deixar passar em branco, então a gente casou os jogos. Era Sesi-SP contra o Cruzeiro, estão conversamos com o William, Wallace e Éder. No jogo entre Canoas e Taubaté, o Lipe e o Dante conversaram com o Gustavo e o Minuzzi. Então foi bem rápido. A gente teve que tomar uma decisão e fazer isso rapidamente. A gente tinha ícones da seleção brasileira e com jogos bons, o nosso contra o Cruzeiro foi a reedição da última final da Superliga. Então teria um apelo e a gente poderia aproveitar o momento para protestar.
As denúncias do CGU apontam que não foi repassado aos jogadores bônus de premiação por resultados obtidos em competições da seleção. A CBV deve premiações para vocês?
É delicado tocar nesse assunto. A gente não tinha noção do contrato do banco. A gente não sabia que o banco dava premiação para a CBV. Na nossa ideia, a CBV tinha um contrato de patrocínio com o banco e a gente negociava com a CBV prêmios para Mundial, Olimpíadas, Sul-Americano, Pan. Algumas vezes os prêmios eram atendidos e em outros não. O Pan do Rio 2007 teve premiação, mas o Pan de Guadalajara 2011 já não teve. Pelo que a gente viu agora, o banco dava premiação para todas as competições, inclusive competições sub-21, juvenil e infanto-juvenil, que era uma coisa que a gente nem imaginava. Todos os prêmios que nós negociamos com a CBV foram pagos. A gente ainda tem o prêmio do Mundial para receber e não foi pago, mas ele vai ser pago com certeza no fim do ano. Não sabemos se eles usavam o nosso nome, o nome dos jogadores para negociar premiação com o banco. Nós nunca negociamos direto com o banco, sempre com a CBV. Precisamos entender como se chegava aos valores pagos de premiação pela CBV.
Atletas do Canoas também usaram narizes de
palhaço no embate contra o Taubaté, pela
Superliga (Foto: Divulgação)
Não sei se a gente tem esse direito, para ser sincero. Não sei quem negocia pelo banco também e se dizia se aquele prêmio era para ser dado aos atletas. Mas nós sempre tentamos negociar os prêmios dentro da realidade da CBV e muitas vezes ouvimos que não tinha dinheiro e que não dava para pagar, mas aquele sentimento de traição que eu falei tem um pouco disso também, porque dinheiro tinha.
Vocês estão tendo algum apoio jurídico?
Não conseguimos formalizar a associação de jogadores. Nós ficamos muito próximo no ano passado e contratamos um advogado para fazer contrato social, mas não conseguimos encontrar um presidente, alguém que estivesse disposto a correr a trás e comparecer em reuniões. Existe uma série de responsabilidades também e a gente acabou adiando isso. Talvez a gente volte a falar, porque se tivesse uma associação nós seríamos mais organizados e teríamos mais força.
Em relação à punição da FIVB, você acredita em retaliação do Ary Graça, presidente da entidade, pelas denúncias na CBV envolverem a gestão dele?
A punição saiu de forma muito rápida. Eu tinha conhecimento que a gente estava sendo julgado, porque o Bernardo (técnico Bernardinho) entrou em contato comigo e pediu para eu assinar um termo, porque ele ia entrar com recurso. Mas não deu nem tempo, porque eles anunciaram a punição no dia seguinte da divulgação dos contratos. A gente sabia que ia dar problema aquela discussão, não foi nem briga, foi uma questão pontual do lance não ter passado no telão e do delegado do jogo ter interferido. Ele ter saído um dia depois de todas as denúncias, eu acho que tem a ver e com certeza tem dedo. Para falar que o cara não está envolvido não tem como, ele mandou dar a punição mesmo.
Ex-mandatário da CBV, Ary Graça é o atual
presidente da Federação Internacional de
Vôlei (Foto: Divulgação / FIVB)
Essa rixa já atrapalhou a seleção brasileira até mesmo no Mundial, porque as outras denúncias aconteceram antes. Nós tivemos uma série de problemas na Liga Mundial, nos jogos no Irã, e depois na Polônia também. A gente achava que tendo um presidente brasileiro na FIVB não que facilitaria nossa vida, mas que não teríamos problemas. Mas infelizmente é o contrário, parece que joga contra o seu país. O fato de terem mudado o regulamento durante o Mundial é um absurdo. Até hoje, eu me arrependo de a gente ter entrado em quadra. Estava escrito no regulamento que não poderia ficar dois segundos colocados no mesmo grupo e que o primeiro do nosso grupo não mudaria de cidade. Mas a gente, sempre com aquele discurso que é "contra tudo e contra todos e tem que ser", a gente acabou jogando. Ganhar ou perder faz parte. Mas a gente aceitar essas coisas... Talvez, eu esteja chegando em uma idade que não consigo mais. É muita falta de respeito.
Vale a pena vocês batalharem para que as finais da Liga Mundial aconteçam no Brasil? Ou isso vale como protesto?
Eu fiquei assustado com as punições, caso a CBV não organize as finais da Liga Mundial. Pode ser quase um ano de punição, de ficar fora das competições internacionais de 2015. Isso é preocupante. A gente está se preparando para as Olimpíadas. Não podemos ficar só treinando, sem jogar. Não sei se essa decisão já foi tomada e não tem volta ou se está sendo negociada. Quem tomou a decisão em função das punições contra a gente, o gesto foi muito nobre, mas é preciso pensar nisso como um todo.
Isso tudo te tira a vontade de continuar jogando pela seleção brasileira?
A gente precisa que esse caso seja resolvido. Não sou eu quem vou julgar, vai ser o Ministério (Público), vai ser a Polícia Federal. A nossa pressão é que esse caso vá para lá e eles julguem se precisa devolver, se vai prender ou se vão perder o cargo. Não é meu papel decidir isso. Meu papel é que os caras que estão no poder agora da CBV que façam o papel deles. Se esse dinheiro é da CBV ou do vôlei, ele precisa ser devolvido.
Se não resolver isso até o fim do ano, você pode não jogar mais pela seleção?
Eu posso pensar se realmente vale a pena. Lógico que pelo meu país vale a pena, vale todo e qualquer sacrifício, mas tendo essas pessoas no poder talvez não valha a pena. Se aqui no Brasil acontecia isso, imagino o que pode ser feito no mundo. Pelos dirigentes, não vale, porque querendo ou não eles continuam fazendo tudo errado, nas devidas proporções. Se aqui no Brasil acontecia isso, imagina no mundo.
Murilo coloca em dúvida a sua continuidade
como jogador da seleção brasileira
(Foto: Divulgação/FIVB)
A gente sempre defendeu. Nosso CT é fundamental para os nossos resultados, isso eu não tenho dúvida. A gente tem tudo lá dentro, tem uma ótima alimentação. Lógico que o CT já está completando dez anos e a gente tem brigado por algumas mudanças e às vezes a gente precisa escutar que não tem dinheiro, por exemplo, para trocar os colchões. A gente precisa de colchão novo, porque eles já estão há dez anos lá, mas eles falam que precisa ir devagar porque não tem dinheiro. A academia já tem dez anos, tem maresia e tal e a academia já está bem velha, mas eles dizem que não tem verba, e trocaram só alguns aparelhos. Aí você vai pensando e vai começando a ver que são coisas pequenas perto do que estamos falando. Imagina se estivessem investindo todo esse dinheiro desviado, a gente teria um centro de primeiro mundo.
Nos últimos dias, vocês jogadores estão juntando esses pontos? Acreditam que esse dinheiro supostamente desviado deveria ter ido para que outros lugares?
É dinheiro que nunca chegou nos clubes. O apoio que a CBV dá para os clubes nunca aconteceu, isso independentemente de desvio e irregulares. Quem paga os nossos salários são os clubes. São eles que formam os atletas para a seleção brasileira. Tem muito clube pequeno que sofre para ficar aberto. Se tivesse a ajuda da CBV com certeza a estrutura do vôlei brasileiro seria melhor.
A base não tem conquistado os mesmos resultados do passado, quando essa atual geração estava começando. Isso tem alguma ligação com a crise na CBV? É preocupante imaginar que após o fim da sua geração, o nível do vôlei brasileiro vai cair?
Nós temos poucos clubes que investem na base. O Sesi-SP, o Minas, o Cruzeiro e o Campinas têm várias categorias. Mas nós estamos bem restritos ao Sudeste. Nós precisamos de clubes no Nordeste, no Sul. O Brasil é muito grande e perdemos muitos jogadores por falta de estrutura, por não ter onde treinar, por não ter bola, rede ou uma quadra coberta. Tudo isso precisa ser repensado. A CBV diz que faz as peneiras, mas você vai tirar um jogador de cada estado e olhe lá. Nós precisamos pensar mais alto. Isso tudo recai tudo sobre os clubes que no final das contas não recebem ajuda.
CT de Saquarema (RJ) é o local de treinamentos
das seleções brasileiras (Foto: Alexandre
Arruda/CBV)
A gente sempre defendeu ele, isso é difícil. Eu não sei qual seria a minha reação, se eu não iria conseguir olhar na cara, se iria conseguir cumprimenta-lo e pedir explicações. E não sei como seria a reação dele. A gente tinha uma relação, querendo ou não, de mais de oito anos de seleção brasileira, a gente sempre fez questão quando voltava com títulos de elogiar a gestão, de elogiar o CT de Saquarema e a estrutura. Mas agora praticamente tudo que a gente fez por ele e pela CBV meio que desmoronou. Então, é chato. Seria uma situação bem desagradável. E a gente vai encontrar com ele, porque ele é presidente da FIVB. Jogando Liga Mundial, Copa do Mundo e Olimpíadas nós vamos encontrá-lo e não sei como vai ser.
FONTE:
http://glo.bo/1GTsCO5