A propósito de uma decisão do governo interino de a Caixa Econômica Federal passar a financiar imóveis de até R$ 3 milhões - o valor máximo, hoje, é de R$ 1,5 milhão -, o Conversa Afiada entrevistou a ministra Miriam Belchior, que também foi presidenta da Caixa.
PHA: Ministra, como a senhora explica essa decisão?
Miriam Belchior: Acho que quem tem que explicar é o governo interino. Tenho só a lamentar que um banco público como a Caixa mude a sua orientação e passe a fazer financiamento de um montante tão alto. Imagine o que é um imóvel de R$ 3 milhões, que se localiza, por exemplo, numa cidade como São Paulo. Quantos quartos ou suítes, quantas vagas de garagem. E a gente sabe que 80% do déficit habitacional do país fica na faixa de até três salários mínimos. Ao mesmo tempo em que puxa para R$ 3 milhões, congela este ano contratações para a Faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida - famílias com renda de até R$ 1,8 mil mensais. Acho que essa é a grande questão: o recurso sendo usado para imóveis de valor muito mais alto, enquanto que a população que mais precisa fica sem alternativa.
PHA: A senhora, que conhece a contabilidade da Caixa Econômica Federal, como explicaria isso diante dos recursos disponíveis da Caixa hoje?
Miriam: Olha, eu não vi com detalhes a decisão, mas na verdade a Caixa, aparentemente, está contratando abaixo do que está orçado para o ano. Ela tem os recursos e não consegue contratar tudo o que está disponível. Por isso está ampliando o teto do valor do imóvel. Considero que isso não é o mais adequado para um banco público.
PHA: Seria essa - especulação minha - uma medida para atrair interesses da indústria da construção civil?
Miriam: É, pode ser que seja, não sei dizer o que é que está movendo essa decisão. Acho que o que é muito mais importante, e que mostra bem o que é o governo interino, é nenhuma preocupação com quem mais precisa. Então, aumenta para R$ 3 milhões, garante o financiamento para quem tem renda muito alta e congela todas as contratações para as famílias de baixa renda.
PHA: Qual seria a faixa do mercado que poderia atender o consumidor de um imóvel de R$ 3 milhões?
Miriam: Certamente insignificante, porque considerando a renda da população brasileira. Quem tem condição de comprar um imóvel de R$ 3 milhões, mesmo financiando, precisa de uma renda muito alta. Portanto, é uma minoria da população brasileira.
PHA: Última pergunta, ministra: quando eles deixam de financiar essa faixa de 0 a 3 salários mínimos, quantas moradias, aproximadamente, deixam de ser construídas?
Miriam: Olha, nós tínhamos programado, quando a Presidenta lançou o programa de dois milhões de moradias do Minha Casa, cerca de 40% eram até essa renda. Então, de 2 milhões, 800 mil, pelo menos, 200 mil por ano - quatro anos. É um número grande - 200 mil moradias, ano - e onde está concentrado o déficit. Como eu disse, 80% do déficit habitacional no país está em até três salários mínimos.