Tinha uma multidão, mas era uma manifestação do bem. Longe dos protestos com bombas, pneus queimados e confronto com a polícia. O pequeno Felipe, de apenas cinco anos, no auge da sua proporção infantil, virou para a mãe e disse que estava na "maior fila do mundo”. Era o começo do caminho que levaria ao Castelão, em ônibus colocados para transportar gratuitamente torcedores de todos os cantos de Fortaleza. Da entrada na fila, às 13h40m, até o interior do transporte coletivo foram 52 minutos. Teve desvio dentro de um estacionamento, sobe rampa, desce rampa e um bronzeado forçado pela espera debaixo do sol num calor de 30 graus - acentuado pela sensação térmica que vinha do asfalto. No caminho até o estádio, era possível se evangelizar com os grupos religiosos, ver pessoas humildes deixarem seus casébres para gritar "Brasil", ouvir bandas de forró e ser convidado para a sessão do circo do Tirulipa. E foi preciso malabarismo para driblar alguns problemas.
Existiram contratempos antes, durante e depois do jogo. Além de dribles nas normas da Fifa dentro do estádio. Mas, ao contrário de muitos protestos que assolam o país e terminam de forma violenta, o dia de torcedor vivido pelo GLOBOESPORTE.COM em Fortaleza, nesta quarta-feira, para o jogo entre Brasil e México, foi a prova de uma manifestação do bem. Mesmo diante dos problemas e pedras no caminho, os torcedores encararam com bom-humor e apelaram para o patriotismo para dar uma injeção de paciência quando foi preciso.
Exatamente às 13h40m, o ponto de ônibus localizado no shopping Via Sul, na Avenida Washington Soares, Zona Sul de Fortaleza, virou um mar de gente. A fila era quilométrica, dobrava a esquina da rua Conselheiro Gomes de Freitas, entrava, subia e descia a rampa de um estacionamento e, enfim, chegava ao ônibus. O forte calor era um obstáculo a mais. Crianças e senhores faziam das bandeiras do Brasil as suas proteções, com os mantos sobre a cabeça.
No meio da fila, uma aniversariante ganhou um coro. Alguns amigos puxaram o ‘Parabéns pra você’ e foram acompanhados por centenas de pessoas, numa festa improvisada e coletiva.
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funciona, e manifestação assusta
Eram muitos ônibus que saíam de pontos espalhados pela cidade. Os coletivos, mesmo os que partiam do mesmo local, faziam caminhos diferentes para evitar grande fluxo na mesma via. Já os taxistas receberam mapas com todos os pontos de linhas especiais e também bloqueios feitos pela polícia. Mas nem sempre ajudava.
- Uma bússola cairia bem - afirmou o taxista, ainda sem o advento do GPS.
Durante o trajeto, alguns pontos de retenção, mesmo com o fato de nesta quarta-feira ter sido decretado feriado em Fortaleza por causa do jogo. Em uma das paradas, uma pequena Kombi aproveitava para anunciar em alto e bom som a sessão a R$ 10 do circo do Tirulipa.
Caminhada, festa dos excluídos e espera para entrar
Do ponto final do ônibus até o estádio, uma longa caminhada debaixo de forte sol e com a festa dos excluídos. Com as vias isoladas por grades, torcedores de uma comunidade humilde ao longo do trajeto vestiam camisa do Brasil, comemoravam e tentavam encontrar gringos com a pergunta “do you speak english?” ("você fala inglês?").
Vias no entorno do Castelão tinham grades para saparar a fila ds torcida ao estádio (Foto: Janir Júnior)
Duas bandas de forró animavam a torcida, e dois cambistas agiam de forma discreta e sem sucesso. Durante alguns minutos, nenhum torcedor procurou saber o preço das entradas. Próximo ao estádio, torcedores sacavam suas máquinas fotográficas para registrar poses com o Castelão ao fundo.A entrada no estádio não chegou a queimar o filme, mas não saiu bem na foto. A reportagem do GLOBOESPORTE.COM encarou uma fila de cerca de 25 minutos. Chamou a atenção a pouca quantidade de voluntários. Mas, fora uma dúvida ou outra, as informações foram corretas e não foi difícil achar o assento localizado no nível 1.
Da fila do ônibus no ponto de partida até o momento de sentar na cadeira foram duas horas, um longo tempo para uma distância de cerca de 15 quilômetros.
Falta de cerveja, filas no bar e fumódromo improvisado
Dentro do Castelão, problemas que se tornaram comum na Copa das Confederações. Filas nos bares, fim da cerveja em alguns locais, muitas pessoas em pé no corredor acima das cadeiras do nível 1 - próximas ao campo - e um drible nas normas da Fifa, que proíbe o fumo nos estádios. Torcedores se postaram próximos às roletas de entrada e fumaram seus cigarrinhos sem serem incomodados.
No estádio, mais filas para comprar alimentos na lanchonete durante o intervalo (Foto: Marcos Montenegro)
'Avanço' na saída, vestígios da manifestação e a recordação do hino
A saída do estádio aconteceu de forma tranquila e rápida, apesar do fluxo de milhares de pessoas. No caminho, porém, foi possível ver vestígios da manifestação: grades jogadas no chão, placas e radares depredados. Assim como no trajeto de ida para o estádio, o policiamento era extremamente reforçado. Já não existiam mais filas para pegar os ônibus no ponto final. Era no “avanço”, ainda assim sem maiores confusões. Saindo lotados, os coletivos se deslocavam rapidamente e, em 18 minutos, deixavam o torcedor próximo ao shopping Via Sul, ponto de partida da reportagem.
Torcedor posa com uma das placas que foi depredada durante a manifestação (Foto: Janir Junior)
- O Hino foi uma manifestação do bem - afirmou o torcedor João Bragança.
No fim, em Fortaleza, o circo do Tirulipa ganhou projeção. O Brasil também. Em mais um teste para a Copa do Mundo, os torcedores fizeram malabarismos para encarar alguns problemas. Para 2014, ficou a certeza de que para o espetáculo ser completo é preciso ajustar. Assim, ninguém fica com cara de palhaço.