Brasileiros, o recado está dado: não provoquem o garoto. Não provoquem Lionel Messi. A estreia na Copa do Mundo caminhava para ser modesta. Depois de um sono profundo no primeiro tempo, o craque despertava lentamente, até que veio o deboche. Na arquibancada, surgiu o grito de Neymar. Em campo, surgiu o gol. Um gol bem ao esitlo Messi, e que garantiu o protagonismo, a festa e os três pontos para Argentina contra a Bósnia: 2 a 1, diante de um Maracanã que pulsava ao som da rivalidade entre brasileiros e argentinos, e fará aniversário de 64 anos marcado pela arte de mais um gênio que debutava em seu gramado sagrado.
E que marca. Messi tinha atuação longe de seu padrão de qualidade. Com a Argentina recuada, pouco apareceu na etapa inicial, mas crescia aos poucos. Sabella desfez a escalação defensiva e mandou para campo Higuaín, formando o badalado quadrado mágico. O Argentina passava a ter cara de Argentina, mas faltava Messi ter cara de Messi. Após cobrança de falta ruim, os brasileiros provocaram: "Ole, ole, ole, ola, Neymar, Neymar!". De forma instantânea o craque recebeu na intermediária, estufou o peito, tabelou com Pipita, fez dois bósnios trombarem e chutou com precisão. Gol. Golaço! E aquela mesma canção do início da jogada passou a ter outro reverenciado. Kolasinac, contra, logo no início do jogo, e Ibisevic, completaram o placar. O que todos vão falar da estreia de Argentina e Bósnia, porém, é do gol de Messi.
Com o resultado, os hermanos, que ouviram do público brasileiro que "sua hora vai chegar", largam na frente no Grupo F, e voltam a jogar no próximo sábado, contra o Irã, em Belo Horizonte. Antes disso, porém, os iranianos estreiam nesta segunda, diante da Nigéria, na Arena da Baixada, em Curitiba. Já nigerianos e bósnios medem forças também no sábado, na Arena Pantanal, em Cuiabá.
Pressionada pela torcida, Argentina é salva por uma canelada
Apatia, impotência e, acima de tudo, sorte. A Argentina que entrou em campo no Maracanã não tinha criatividade, não tinha Messi inspirado, não tinha nem o apoio da arquibancada que se esperava. Menos mal que a reza e as bençãos do Papa Francisco devem ter contribuído para que encontrassem a canela de Kolasinac pelo caminho. E rápido. Pressionados pelas vaias do público brasileiro desde o primeiro toque na bola, os hermanos foram presenteados pelo gol contra bósnio logo no terceiro minuto. Após cobrança de falta de Messi pela esquerda, Rojo desviou de cabeça sem direção, a bola tocou no atrapalhado zagueiro adversário e entrou mansa no gol de Begosiv. E o que os argentinos têm de bom para contar sobre o primeiro tempo para por aí.
O esquema precavido, com uma linha de cinco defensores no fundo, até fazia com que o time de Sabella tivesse a posse de bola, mas isso não quis dizer nada. A maior parte dos 55% do tempo em que a tiveram em seus pés foi no campo defensivo, sem espaços para penetrar numa bem postada defesa bósnia. Era como se o treinador confiasse na genialidade do trio formado por Messi, Di María e Agüero. Mas nada acontecia. O craque do Barcelona parecia sem confiança e abusava dos toques para trás. Sempre com marcação dobrada, não criou nada além da cobrança de falta para o gol e recuava na linha de meio-campo em busca de espaços que a Bósnia não permitia que ele achasse. Agüero e Di María também sofriam com a força física dos rivais, e a melhor opção eram os avanços de Zabaleta pela direita.
Se para muitos o sistema com três zagueiros e dois laterais sem muita aptidão ofensiva minava o poder da Argentina, curiosamente foi exatamente através de Rojo que chegou ao gol e com Zabaleta causou os maiores problemas para o adversário. Já os bósnios, de maneira surpreendente, não perdiam a calma. Com a maioria do Maracanã a seu favor, trocavam passes pacientemente diante de uma Argentina quase toda atrás da linha da bola - menos Messi e Agüero. O público carioca já aos 15 minutos começou a gritar "olé", e Pjanic organizava as ações ofensivas. Como esperado, as melhores chances surgiram no jogo aéreo. Ao término da etapa inicial, as estatísticas comprovavam que a Bósnia usou melhor o tempo em que teve a bola aos seus pés: seis finalizações contra quatro.
A inoperância argentina e a paciência da Bósnia em alguns momentos tornavam o jogo monótono. A torcida, porém, nunca deixou que ficasse chato. Tradicionalmente barulhentos, os hermanos tentavam tomar conta do Maracanã com seus gritos tradicionais, mas a todo instante eram abafados pelos brasileiros a favor dos bósnios. Virou um Brasil x Argentina na arquibancada. Os alvicelestes puxaram cantos provocativos, como o que diz que Maradona foi maior que Pelé. Os brasileiros rebatiam com bom humor e chegaram a cantar em alto e bom som o "Domingo, eu vou ao Maracanã...", com um poderoso grito de Bósnia no final.
Em campo, o panorama pouco mudava: a Argentina esbarrou na má atuação de suas estrelas, e a Bósnia trocou passes e tentou cruzamentos. Diante do panorama, os volantes tentaram levar o time de Sabella ao ataque. Maxi Rodriguez e Mascherano arriscaram de fora da área, e o ex-jogador do Corinthians até levou perigo. Mas a melhor chance foi dos bósnios, com Lulic, que obrigou Romero fazer boa defesa em cabeçada. Sentindo-se em casa, o debutante em Mundiais sufocava a favorita Argentina.
Quadrado mágico muda o jogo, e Messi cala brasileiros com golaço
Na volta para o segundo tempo, todo panorama do jogo mudou. Em campo, a Argentina era outra. Era a verdadeira Argentina. Aquela que venceu com facilidade as eliminatórias sul-americanas para Copa do Mundo. Aquela do tão badalado quadrado mágico. Higuaín entrou em campo e se juntou a Agüero, Di María e Messi. Ficou mais fácil para todo mundo. Quer dizer, menos para Bósnia. A equipe até tentou manter a pressão nos minutos iniciais, se mandou para o ataque, passou a arriscar mais de fora da área. Mas o rival que tinha pela frente em nada lembrava o do primeiro tempo.
Com Pipita e Kun a sua frente para servir e Di María mais participativo, Messi entrou no jogo. Armava pelo meio, tentava tabelas, e acionou Agüero duas vezes em sequência dentro da área. Atrás no placar, a Bósnia naturalmente também se expunha mais e dava mais espaços na defesa. Era tudo que os quatro homens de frente da Argentina queriam. O Messi que voltava no meio-campo para receber a bola passou a ter o auxílio de Fernando Gago, que entrou na vaga de Maxi Rodriguez. Os dois tabelavam curto, e o capitão argentino partia em disparada, como tanto fez com a camisa do Barcelona.
A primeira finalização aconteceu aos 18 minutos, em cobrança de falta. E poucas vezes um chute ruim para fora foi tão determinante. A reação da torcida brasileira foi rápida, começou a gritar o nome de Neymar. Messi, por sua vez, foi mais rápido ainda. Alguns torcedores ainda tentavam entender o canto para fazê-lo ganhar força quando o camisa 10 recebeu na intermediária e arrancou. Higuaín, como um legítimo pivô, fez o chamado um-dois, e devolveu para seu capitão. Messi puxou para canhota, fez dois adversários se chocarem e chutou chapado, no cantinho. Bola na trave, no fundo da rede e vibração efusiva. Começava ali a Copa para o craque quatro vezes melhor do mundo.
A partir daquele momento, o Maracanã passou a ser azul e branco. A mesma canção que provocava, passou a ser de reverência. Saiu Neymar, entrou Messi. Calaram-se os brasileiros. Empolgaram-se os argentinos. Se curvando na arquibancada com os braços para o alto, os hermanos gritavam:
"Meeeeeeessi! Meeeeeeeessi". O time incendiou a torcida, e a torcida incendiou o time. Como se cambaleasse, a Bósnia se perdeu em campo e sofria com a velocidade dos contragolpes da Argentina. Messi, Agüero, Di María e Higuaín se buscavam, aceleravam o jogo, simplificavam com toques rápidos até a área. Kun chutou para fora boa chance, a zaga rival afastou dois bons cruzamentos, mas estava evidente: com seus quatro homens de frente juntos, os argentinos são muito fortes.
Aos 39, Ibisevic recebeu na área e tocou na saída de Romero. O goleiro ainda resvalou na bola, que entrou lentamente. Os brasileiros se agitaram novamente no Maracanã, mas a Bósnia já não tinha mais forças para buscar o empate. Agüero deu lugar a Biglia, foi vaiado, e fez o tempo andar. Com dois tempos completamente distintos, a Argentina venceu e, pelo que fez nos 45 minutos finais, convenceu. Aos cariocas, resta esperar uma possível final. O desejo já foi manifestado com gritos de "Argentina, pode esperar, a sua hora vai chegar". Aí, será para valer. Aí, Messi terá com Neymar uma disputa em campo.