Bernie Ecclestone anunciou, nesta quinta-feira, que o GP da Alemanha deste ano, décimo do calendário, dia 19 de julho, será disputado no Circuito de Hockenheim. Originalmente a prova seria realizada no Circuito de Nurburgring, em respeito ao acordo de alternância entre uma e outra pista, já que a edição de 2014 foi em Hockenheim.
Provavelmente por causa de problemas financeiros, os novos proprietários de Nurburgring não poderiam investir o necessário para garantir o evento. Dentre as maiores dificuldades de todos promotores de GP está pagar a desafiante taxa cobrada por Ecclestone, a temida Promoter Fee.
Placa no tradicional circuito de Nurburgring,
na Alemanha (Foto: Agência AFP)
Unidas, escuderias como Lotus, McLaren, Brabham, do próprio Ecclestone, Tyrrell, March, teriam maior poder de barganha. “Elas mal recebiam para pagar as despesas de viagem”, afirma o inglês. Já equipes como Ferrari, Matra, Alfa Romeo, pertencentes a montadoras, além de estáveis financeiramente, recebiam mais dos promotores e eram politicamente aliados da Fisa, braço esportivo da FIA, inimiga da Foca.
Desde então Ecclestone nutre esse ressentimento com os promotores de GP. O diretor executivo da F-1 tem hoje 84 anos. O que antes era algo que não pesava no orçamento das despesas para promover um GP, hoje representa o seu maior custo. A união das equipes fez com que Ecclestone revertesse o jogo: se os promotores desejassem organizar uma etapa do Mundial teriam de pagar o que as equipes, através de Ecclestone, exigiam.
Ao longo dos anos, a mudança foi tão grande que atualmente nada menos de 12 das 20 provas do calendário são promovidas pelos governos dos países que estão no calendário. Os recursos vêm de empresas estatais. Há apenas oito promotores privados que, com certeza, fazem esforços enormes para poder pagar o cobrado pela Formula One Management (FOM), dirigida por Ecclestone - a Foca não mais existe, e ainda ter um pequeno lucro.
A substituição do local da corrida na Alemanha, este ano, de Nurburgring para Hockenheim, é uma consequência direta dessa revisão conceitual que a F-1 experimenta nas últimas décadas. Do fim dos anos 90 para cá, o perfil do promotor mudou bastante.
Plataforma de negócios
Que interesse tem um país em fazer um investimento elevado para fazer parte do campeonato da F-1? Não se trata apenas de pagar a taxa do promotor, mas construir um autódromo de alto nível, por exemplo. Resposta: não é apenas para a satisfação de seus cidadãos. E não é mesmo. Os governos utilizam a F-1 como plataforma para se expor no mundo dos negócios. A F-1 atinge todos os continentes, são 600 milhões de telespectadores por ano. É algo bastante representativo.
Num mundo de economia cada vez mais globalizada, demonstrar capacidade para receber e organizar com sucesso uma etapa do sofisticado Mundial de F-1 é um excelente cartão de visita aos interessados em investir. Os mais recentes no campeonato representam mercados emergentes. Em outras palavras, a F-1 passou a ser usada por nações para se apresentarem ao mundo.
Curiosamente, até mesmo países que até há pouco mais de 20 anos adotavam severos regimes totalitários, ou mantinham suas fronteiras completamente fechadas para a cultura ocidental, enxergam hoje a F-1, expressão máxima do capitalismo, dessa forma. Agora visam a se inserir no universo dos negócios globalizados e mostram-se sensíveis aos valores cultivados pelo ocidente. A Rússia é o melhor exemplo, estreante na F-1 no ano passado. Já haviam aderido a essa estratégia a Hungria, ainda em 1986.
Mais: a Malásia, desde 1999, os árabes, com Bahrein, 2004, Abu Dabi, 2009, China, 2004, Índia, 2011 a 2013, Coreia, 2010 a 2013, e Cingapura, desde 2008. A partir deste ano volta o México e em 2016 haverá a estreia de outra nação que procura a todo custo mostrar ao mundo que existe e dispõe de imensos recursos naturais: Azerbaijão. Uma etapa da F-1 será disputada nas ruas de Baku, sua capital.
Como brilhante homem de negócios que é, Ecclestone enxergou nesse interesse dos governos em promover seus países através da F-1 uma forma de gerar ainda maior receita. Do começo dos anos 70, quando as transmissões das corridas pela TV começaram, até o início dos anos 2000, a venda de direitos de TV foi a principal fonte de arrecadação da F-1.
Mas a história começou a mudar com a revisão no perfil dos promotores. Ecclestone passou a cobrar muito mais. Um governo pode pagar valores bem mais elevados que um promotor privado. Apesar do caráter de confidencialidade entre a FOM e os promotores, esses valores são mais ou menos conhecidos pela maioria no paddock, ainda que não sejam oficiais.
Países europeus, continente das nove equipes hoje, pagam para promover cada edição do seu GP cerca de US$ 18 milhões (R$ 48,6 milhões). Mônaco, pelo interesse da F-1, menos, US$ 12 milhões (R$ 32,4 milhões). Assim como os norte-americanos, por ser o maior mercado de várias empresas que investem na F-1. Estima-se que os organizadores da prova em Austin, no Texas, paguem o mesmo de Mônaco.
Governos pagam bem mais
Mas para quem passou a fazer parte do calendário mais tarde e Ecclestone identificou o uso da F1 com uma plataforma comercial, a história muda. E bastante. Bahrein, Abu Dabi, China, Cingapura, Rússia não enviam para a conta da FOM menos de US$ 40 milhões (R$ 108 milhões) todo ano. O mesmo que pagará o Azerbaijão. Acredita-se que o México não chegue a tanto. Por fazer parte do campeonato desde 1973, o Brasil deve recolher para a FOM pouco mais dos europeus.
Um dado demonstra bem no que se transformou a Promoter Fee da F-1: enquanto em 2014 a FOM recebeu algo como US$ 410 milhões (R$ 1,107 bilhão), proveniente da venda de direitos de TV, o arrecadado com o pagamento da taxa dos promotores chegou a US$ 490 milhões (R$ 1,323 bilhão).
Todo esse dinheiro vai para o caixa da FOM, junto de outras fontes de receita, como a exploração comercial dos espaços publicitários nos autódromos, venda das áreas VIP, e depois distribuído entre os donos dos direitos comerciais, a empresa de capital inglês CVC, as equipes, a FIA, além de custear as despesas do Formula One Group, a quem a FOM pertence.
Existe uma certa revolta dos promotores privados contra Ecclestone por o dirigente exigir valores da Promoter Fee, na hora de renovar os contratos, que só poderiam ser cumpridos pelos governos de nações.
Se o GP dá ou não lucro, para os governos pouco importa, pois capitalizam com a propaganda que a F-1 fará de seus países, por quatro dias, de quinta-feira a domingo. Não existe vitrine melhor para se expor. Além do imenso universo que a F-1 atinge, essas nações se veem associadas a esporte, alta tecnologia, velocidade, lastro financeiro para sustentar o evento, enfim, agrega valores nobres.
“Estamos muito satisfeitos com o que a F-1 nos proporciona. Já iniciamos as conversas para a extensão do nosso contrato”, afirmou ao hoje repórter do GloboEsporte.com, em 2013, Muhamed al Khalifa, um dos responsáveis pela introdução do GP de Bahrein no calendário.
Os detalhes do porquê Nurburgring não receberá o GP da Alemanha, dia 19 de julho, são desconhecidos. Mas diante do fato de Ecclestone ser irredutível na cobrança dos valores acordados em contrato, quem apostar na impossibilidade de os promotores pagarem a elevada taxa e bancar as despesas de organização tem chances enormes de acertar.
A F-1 está se tornando um evento voltado não apenas para a TV como também para nações com o perfil de parte significativa das que hoje fazem parte no calendário. Com isso, corridas tradicionais, como as de Monza, Silverstone, Montreal, Spa-Francorchamps, organizadas por empresas privadas e não ligadas a governos, fazem de tudo para se manter no campeonato. Por vezes, desprezando até mesmo ter lucro. Para a F-1 como empresa, essas provas clássicas, apesar da tradição, contribuem bem menos financeiramente, daí sua “importância relativa”.
FONTE:
http://glo.bo/15c4jii