Estreante em Copas, Bósnia cura feridas da guerra com o futebol
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Estreante em Copas, Bósnia cura feridas da guerra com o futebol


GloboEsporte.com visitou a Bósnia para entender as consequências da guerra no esporte. Saiba como Željeznicar e Sarajevo desafiaram a troca de tiros no país


Por Sarajevo, Bósnia-Herzegovina

  1. Rivalidade que nem a Copa une
  2. Provocações e fanatismo
Túnel secreto Sarajevo  (Foto: Alexandre Lopes)Passagem secreta foi utilizada até pelo Barcelona(Foto: Alexandre Lopes)

Enquanto os brasileiros iam para as ruas comemorar o tetracampeonato da seleção de futebol, conquistado em 1994, nos Estados Unidos, a Bósnia-Herzegovina era completamente destroçada por uma guerra que deixou cicatrizes profundas em toda a população. A Guerra da Bósnia, que ocorreu entre 1992 e 1995, matou centenas de milhares de pessoas e acabou destruindo toda a infraestrutura do país.

Durante as eliminatórias para a Copa dos EUA, o futebol simplesmente deixou de existir na Bósnia. Entre 1992 e 1994, nenhuma partida foi realizada no território da antiga Iugoslávia e os estádios foram ocupados. Com o andamento da guerra, os campos do país ficaram destruídos e os Centros de Treinamento viraram cemitérios.

Rivais históricos no futebol da Bósnia, FK Sarajevo e FK Željeznicar desafiaram a guerra e resolveram voltar a formar times e jogar, mesmo com o risco de serem mortos durante o cerco sérvio na capital Sarajevo. Para isso, as delegações se juntaram com outros dois times e utilizaram um túnel secreto para conseguir driblar o exército sérvio e disputar um campeonato.

- O túnel pode ser considerado uma das mais importantes construções feitas para a sobrevivência da população bósnia durante a guerra. Foi a primeira vez que um túnel foi feito para ligar dois territórios livres, sendo que acima do túnel estavam as forças inimigas. Nós conseguimos salvar sobreviventes por ele. Conseguimos salvar o esporte por ele. Os atletas da Bósnia usaram esse túnel para continuar praticando o futebol e isso foi extremamente importante para o esporte. A equipe do Barcelona, ainda no início da guerra, usou a passagem para fazer um jogo amistoso em nosso país - explica Irfan Garvit, responsável pela administração e manutenção da passagem secreta.

O túnel foi construído em uma área remota de Sarajevo. Mesmo sem ter sido descoberto pelos sérvios, as marcas de tiros podem ser encontradas em várias partes da edificação. Com uma enorme rivalidade e histórico de confrontos, os dois clubes resolveram deixar as diferenças de lado pela sobrevivência do esporte.


Mosaico clássico bosnia (Foto: Editoria de Arte)
Mosaico Zeljeznicar x Sarajevo 
(Foto: Editoria de Arte)

Rivalidade que nem a Copa une
Para os bósnios, que também consideram o futebol como uma paixão nacional, a classificação para a Copa uniu, por alguns instantes, as três etnias que dominam o país: muçulmanos bosniaks, católicos bósnios croatas e os ortodoxos bósnios sérvios. No futebol, porém, os bósnios não se entendem. São raros os torcedores do Sarajevo que concordam com a convocação de Edin Dzeko, maior esperança do futebol bósnio, para a seleção. A razão é simples: 

Dzeko foi revelado pelo Željeznicar.

Fundado em 1921, o Željeznicar, historicamente, é o maior campeão da Bósnia. Tanto que, na temporada de 1984-1985, o clube foi semifinalista da Copa da Uefa. A equipe foi eliminada pelo Videoton, da Hungria, em uma competição que tinha Internazionale e Real Madrid.

- Somos o time que mais conquistou títulos na Bósnia. Nós somos, na história, quem mais revelou jogadores para a seleção nacional. Fomos responsáveis por revelar o Dzeko, mas ele jogou pouco tempo aqui e não deu tempo para virar ídolo. Sabemos que o Sarajevo é o nosso maior rival, mas para nós é apenas mais um jogo. A torcida cobra muito essa vitória, mas ela vale mais para a torcida do que para a gente. Os três pontos são os mesmos, ganhando do Sarajevo ou de outra equipe - afirma Emir Dobraca, gerente de marketing do Željeznicar.


torcedor Željeznicar estádio fuzilado (Foto: Alexandre Lopes)
Torcedor do Željeznicar posa para foto 
em muro com diversas marcas de tiro 
(Foto: Alexandre Lopes)

O Željeznicar foi, comprovadamente, o clube que mais sofreu com a Guerra da Bósnia. O estádio da equipe foi completamente destruído pelos sérvios, já que estava exatamente na primeira linha de defesa em Sarajevo. Dezenas de tanques de guerra foram colocados no estádio e, até hoje, as marcas de tiros e bombas são encontradas na estrutura do local.

- Nosso estádio foi completamente fuzilado. Agora estamos tentando reconstruir tudo para voltar aos bons tempos. Temos problemas para conseguir dinheiro e nunca tivemos nenhuma ajuda da Fifa ou da Uefa. Apesar disso, temos torcedores fanáticos que sempre lotam a nossa casa. Nossos fãs são muito parecidos com os brasileiros - diz.

O Željeznicar coleciona glórias, principalmente antes da Guerra. Em 1972, ao ser campeã da Iugoslávia, a equipe foi convidada para uma partida contra o Santos de Pelé, que está imortalizada em quadros no museu do clube. Pelé, inclusive, é uma referência para o rival Sarajevo, que também possui fotos do Atleta do Século espalhadas pelo estádio da equipe, fundada em 1946.

- Somos o maior clube do país. E isso é muito importante para nós. O futebol é extremamente importante para o bósnio. Nossa liga, porém, é muito diferente do que temos na seleção nacional. A Guerra destruiu e atrasou o nosso futebol. Qualquer pessoa que visita o país vê o quanto ela destruiu a nossa infraestrutura. Para virarmos uma liga competitiva precisamos de uma reformulação total - diz Tarik Trbic, diretor de comunicação do Sarajevo.


troféu Željeznicar Bósnia (Foto: Alexandre Lopes)Željeznicar exibe troféu de campeão nacional(Foto: Alexandre Lopes)

Trabalhando no clube do coração desde pequeno, Tarik trocou as arquibancadas, ao lado dos fanáticos torcedores do Sarajevo, para trabalhar nos bastidores do clube. Ele compara a rivalidade com o Željeznicar com clássicos como Palmeiras e Corinthians e Flamengo e Vasco.

- Os torcedores da Bósnia são muito parecidos com os da Argentina e do Brasil. Eles são apaixonados e incentivam o tempo inteiro. Não temos muita gente nos estádios, mas os que vão gritam demais e empurram os nossos jogadores o tempo inteiro.

Sobre a seleção da Bósnia, tanto Tarik quanto Emir depositam muitas esperanças em uma campanha positiva da equipe na Copa. Emir, aliás, acredita que o time vai à segunda fase com 100% de aproveitamento, com direito a vitória contra a Argentina de Lionel Messi.

- Eu acredito que a Bósnia vai passar para as oitavas de final da Copa do Mundo. Acho que vamos ganhar todos os jogos da primeira fase, inclusive da Argentina. Nós temos ótimos jogadores, que são jovens e podem fazer um bom trabalho. De qualquer forma não seremos campeões. Acho que essa Copa irá para a Alemanha - diz Emir.

- Eu não sei se vamos chegar longe, mas sonho que vamos mostrar um futebol bom e, quem sabe, passar para a segunda fase. Temos um bom time que pode fazer um bom papel durante o Mundial - completa Tarik.


Provocações e fanatismo

Foto Pelé estádio Sarajevo Bósnia (Foto: Alexandre Lopes)Jogo contra Santos, de Pelé, é lembrado no estádio doSarajevo (Foto: Alexandre Lopes)

Tanto os torcedores do Sarajevo quanto do Željeznicar são extremamente fanáticos. As provocações entre torcidas são parecidas com as que ocorrem nos estádios do Brasil e uma derrota para o rival pode significar uma profunda crise para qualquer um dos dois clubes. A rivalidade é tanta que alguns torcedores do Sarajevo não aceitam Dzeko na seleção bósnia.

- As pessoas falam demais, mas o Dzeko não é o melhor jogador bósnio. Ele jogou no nosso maior rival e, por isso, não é um jogador querido. Pra mim o Miralem Pjanic, do Roma, é a nossa maior esperança na Copa do Mundo - afirma Amina Dervisevic, torcedora do Sarajevo.

- O Dzeko é nosso ídolo. Ele jogou no maior clube da Bósnia, que é o Željeznicar. Nós temos muitos títulos e amamos demais esse clube. Em breve conseguiremos chegar na Liga dos Campeões e tenho certeza que faremos uma boa campanha - rebate o comerciante Nedim Bubica.

Apesar da grande rivalidade, os dois clubes vivem situações bastante diferentes após o fim da guerra. O Željeznicar foi campeão nacional quatro vezes (1998, 2001, 2002 e 2010), enquanto o Sarajevo ganhou apenas um título, em 2007. A grande diferença não faz os fãs da equipe aceitarem a superioridade do rival.

- O Sarajevo é a minha vida. Desde cedo meus pais me ensinaram a amar esse clube e torcer por ele. Toda a minha família torce para o Sarajevo e todas as minhas raízes são ligadas a ele. Temos muitas torcedoras garotas e isso impressiona algumas pessoas. Mas, definitivamente, temos a torcida mais bonita do futebol bósnio - afirma a estudante Dzana Fazlic.


- Eu amo o Zeljeznicar. Nossos torcedores são simplesmente inacreditáveis. O clube me deu uma chance de realizar o sonho de ser jogador de futebol e sou muito feliz por isso. Acredito que o clube pode ser uma ponte para eu ir jogar, um dia, em um grande centro da Europa - , finaliza Tomislav Tomic, meia-atacante do clube.

Partida Željeznicar Sarajevo Bósnia (Foto: Alexandre Lopes)
Clássico entre Željeznicar (de azul) e 
Sarajevo (de vinho) (Foto: Alexandre Lopes)


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FONTE:
http://globoesporte.globo.com/sp/santos-e-regiao/copa-do-mundo/noticia/2014/05/estreante-em-copas-bosnia-cura-feridas-da-guerra-com-o-futebol.html



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