Março de 2012. O ex-senador Demóstenes Torres, que chegara a estampar reportagens de Veja como um "mosqueteiro da ética", vira o centro das atenções após cair em grampos da Polícia Federal na Operação Monte Carlo, que investigava o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Na edição do dia 31 daquele mês e ano, Folha de S. Paulo publicou um diálogo entre Demóstenes e Cachoeira, no qual o bicheiro pediu que Michel Temer (PMDB) encaminhasse um projeto de lei que regulariza os jogos de azar.
O diálogo foi usado na reportagem "Gravações revelam favores de senador para empresário". A conversa se deu no dia 24 de abril de 2009, quando Temer era deputado e presidente da Câmara.
Cachoeira diz: "Aquele negócio que eu pedi pra você olhar lá. Já chegaram lá? Aquela lei do Maguito?"
Demóstenes responde: "Já chegaram lá. Ela está na Câmara..."
Cachoeira: Pois é, você tinha que trabalhar isso aí com o Michel [Temer], né? Para por em votação...
Demóstenes: Lá isso passa por votação simbólica. Como passou no Senado.
O trecho foi usado para acusar Demóstenes de usar o mandato em nome dos interesses de Cachoeira, que foi preso recentemente na Lava Jato.
A regularização dos jogos de azar é um assunto que volta e meia entra em pauta, sempre que o governo está em crise e busca fontes de receita.
Na época do Cachoeiragate, Demóstenes apareceu alertando que trechos do projeto de regularização de jogos discutido no passado prejudicavam as atividades do bicheiro.
Hoje na presidência em virtude o impeachment de Dilma Rousseff (PT), Temer permite que o núcleo duro do governo trabalhe para aprovar o projeto de lei do Senado (PLS) 186/2014, que consta na Agenda Brasil - conjunto de propostas que o PMDB diz ter apresentado para tirar o País da crise. Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, por exemplo, foram citados em reportagem apontando que o PLS seria uma fonte de receita conveniente em meio à situação econômica atual.
O PLS está inserido na ordem do dia, com previsão de ser votado no Senado nesta quarta (6).
Nas contas do governo, a liberação de cassinos e regularização de bingos e caça-níqueis, entre outros pontos, renderia à União uma receita anual de R$ 15 bilhões.
No passado, Temer, enquanto vice-presidente, fez lobby pela regularização. Um jornalista ligado a Cachoeira chegou a publicar que Temer usava um assessor pessoal pra fazer interface com o então presidente da Abrabin (Associação Brasileira do s Bingos).
No governo Lula e início do governo Dilma, o projeto foi ofuscado por escândalos de corrupção envolvendo Cachoeira.
Na CPI de 2012, instaurada na Câmara e Senado após as revelações da Monte Carlo contra Demóstenes e o bicheiro, Temer apareceu novamente. Dessa vez, como um dos membros da cúpula do PMDB - incluindo Eduardo Cunha - que trabalharam duro para evitar a convocação de Fernando Cavendish - também preso na Lava Jato - para depor na CPI. Cavendish era sócio oculto de Cachoeira e dirigente da Delta. A empreiteira, àquela época, era a que mais atuava junto ao governo federal em obras do PAC.
Artigo do jornalista Leandro Fortes, em CartaCapital de maio de 2012, mostrou envolvimento de Temer para impedir, inclusive, que a CPI do Cachoeira avançasse contra jornalistas.
Fortes escreveu: "Desde o início de maio, Temer tornou-se uma espécie de mensageiro da família Marinho. O vice de Dilma tem ouvido e repassado os recados do grupo que comanda a Globo ao governo e aos integrantes da CPI do Cachoeira. E que pode ser resumido em um ponto: a mídia não pode virar alvo na CPI. Isso inclui deixar de fora a mais explícita das relações do bando de Cachoeira com os meios de comunicação: aquela estabelecida com a revista Veja."
O jornalista referia-se a outra descoberta da Operação Monte Carlo: a de que Cachoeira teria fortes relações com repórter de Veja, Policarpo Junior, a ponto de decidir quando emplacar matérias contra seus adversários na revista semanal.
No final, o time de Temer teve sucesso: a CPI do Cachoeira - que também recebeu ajuda do PT para ser freada - entregou um relatório de uma página e meia, sem indiciar ninguém, muito menos jornalistas. O caso foi sumindo do noticiário tão logo o julgamento do mensalão foi tomando conta daquele segundo semestre de 2012.
Artigo da jornalista Helena Chagas, publicado no portal Os Divergentes, nesta quarta, mostra que o governo Temer tem sofrido pressão para aprovar o projeto de regularização dos jogos.
"O Planalto tem se mantido à distância da discussão porque o assunto é uma bola dividida, mas o governo, nos bastidores, apóia a aprovação do projeto que legaliza os jogos de azar, que será votado hoje pelo Senado. (...) Aliados vêm tratando do assunto na surdina já foram procurados por grandes grupos hoteleiros internacionais interessados em implantar no Brasil resorts com cassinos – modalidade prevista pelo projeto em discussão", escreveu.
A ideia, contudo, sofre forte resistência de setores que consideram os jogos de azar uma forma de lavagem de dinheiro para criminosos de colarinho branco e traficantes.
"E é por isso que o governo não saiu ainda na defesa aberta do projeto. Michel Temer não quer, por enquanto, comprar briga com setores como o Ministério Público. (...) Há também problemas com a bancada evangélica."