Dois ouros, duas pratas e quatro bronzes em Mundiais, além de quase 30 medalhas em Jogos Pan-Americanos. De uma só vez, o Flamengo viu sair pela porta uma vasta coleção de conquistas no esporte olímpico brasileiro. A nova diretoria do clube confirmou nesta terça-feira o fim do apoio à ginástica olímpica e ao judô no plano profissional. Os contratos de 28 atletas não serão renovados, e restarão apenas as categorias de base e as escolinhas, como aconteceu com a natação. Os dirigentes rubro-negros alegam que houve um déficit de R$ 14,5 milhões no departamento olímpico em 2012 e que o custo das duas equipes juntas chegava a R$ 2 milhões por ano. Eles informam ainda que tentaram, sem sucesso, pedir ajuda a duas esferas do governo e ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB).
- A gente entrou em 2013 com um quadro muito delicado. Eram R$ 14,5 milhões de déficit. Depois da questão da natação e alguns outros cortes, conseguimos reduzir para R$ 7 milhões. Mas mesmo assim não foi o suficiente. Agora, vamos chegar a R$ 5 (no ano) - disse nesta terça-feira, na Gávea, o vice-presidente de esportes olímpicos, Alexandre Póvoa, que fez o novo planejamento em conjunto com o diretor executivo da pasta, Marcelo Vido.
Desta forma, o Flamengo deixa de patrocinar oito atletas da ginástica, entre eles o bicampeão mundial do solo Diego Hypolito, além de Jade Barbosa e Daniele Hypolito. No judô, 19 lutadores, incluindo João Gabriel Schlittler e Nacif Elias, perdem as ajudas de custo que recebiam. A técnica da seleção brasileira feminina, Rosicléia Campos, também não terá seu contrato renovado. A direção do clube se mostrou disposta a conversar com a treinadora para uma possível permanência, caso ela aceite readequar o seu salário ao novo orçamento do esporte. Já a atleta olímpica olímpica Érika Miranda, única que tem contrato em vigor, válido até maio, ainda terá seu caso discutido pelo departamento para decidir se antecipa a rescisão. No ano passado, a equipe feminina de judô conquistou o título inédito do Grand Prix Interclubes.
Rosicléia também não terá o contrato renovado (Foto: Gabriele Lomba / Globoesporte.com)
Indignado, Diego Hypolito ficou sabendo da notícia pela internet. Ele está em São Paulo, treinando nas instalações do Pinheiros, já que parte do ginásio rubro-negro pegou fogo no fim do ano passado. Sem medir as palavras, o bicampeão mundial acusa a nova diretoria de fazer uma retaliação à ex-presidente Patrícia Amorim.
- Achei isso uma falta de respeito, tenho 19 anos de clube. Não tem como dizer que não há dinheiro. Você tem no clube uma Jade Barbosa, campeoníssima da ginástica, uma Dani, que ajudou a levantar a ginástica do Flamengo. Não consigo entender como o marketing do clube não consegue resolver isso. Foi uma falta de respeito e de consideração que não tem tamanho por parte da nova presidência. Isso é uma retaliação à Patrícia Amorim, pelo ciclo passado - disse Diego ao GLOBOESPORTE.COM.
Jade Barbosa é uma das ginastas que não terão contrato renovado (Foto: André Durão )
O clube assumiu o compromisso de quitar os três meses de salários atrasados. Aqueles que recebiam salários mais baixos deverão receber as quantias em dois ou até três meses, enquanto os donos dos maiores valores poderão esperar até 18 meses para embolsarem as quantias a que têm direito.
- O Flamengo deve três meses a esses atletas. Tanto da natação, como da ginástica e do judô. Vamos chamar esses atletas nos próximos dias e em até 18 meses, nos casos de salários mais altos, vamos pagar tudo com correção. Os salários mais baixos vão ser pagos em dois ou três meses. A gente quer acabar com a fama de caloteiro que o Flamengo ganhou nos últimos anos - afirmou Póvoa.
Dos esportes olímpicos, apenas o remo, por exigência estatutária, o pólo aquático e o nado sincronizado, com baixo custo, e o basquete, com patrocínio próprio, terão suas equipes principais mantidas. Mesmo admitindo que o time, líder da atual edição do NBB, ainda está em déficit, Póvoa garantiu que não há risco do fim da equipe e ressaltou que se trata do segundo esporte do clube atualmente.
- A gente não pode tratar desiguais como iguais. O futebol também tem déficit, mas é o carro chefe do clube. E o basquete tem déficit também, mas é o nosso segundo esporte. Não fomos nós que escolhemos isso. A própria torcida escolheu isso. Em hipótese alguma está sendo pensada a descontinuidade do basquete - garantiu o dirigente.
Líder do NBB, o basquete do Fla está garantido (Foto: Guilherme Peixinho/Divulgação)
- O que é ser sério? É manter a estrutura anterior e ficar três meses sem pagar esses atletas? Isso é apoiar o esporte olímpico? Manter uma equipe de natação com uma piscina vazando e gerando uma conta de R$ 500 mil é ser sério? Deixar os atletas do judô treinando em um espaço quente e com goteira é apoiar o esporte? Apoiar é ser sério, se reestruturar, pagar em dia, voltar a pagar os impostos para ter direito a leis de incentivo e questionar a estrutura dos esportes olímpicos do Brasil. E o Flamengo vai questionar o motivo para ter uma parcela tão pequena de um bolo que a gente sabe que é grande - reclamou Póvoa.
No fim do ano passado, após a vitória de Eduardo Bandeira de Mello na eleição presidencial do clube, a nova diretoria já havia anunciado o fim da equipe de natação, que tinha como expoente o campeão olímpico e bicampeão mundial Cesar Cielo, além de Nicholas Santos, Leonardo de Deus, Thales Cerdeira e Henrique Barbosa, antigos membros do P.RO.16. Segundo Póvoa, o plantel gerava um custo de R$ 5 milhões anuais para o Flamengo.
Incêndio em ginásio do Fla gera prejuízo de cerca de R$ 800 mil (Foto: Fernando Azevedo / Fla Imagem)
Esportes olímpicos do Fla entre altos e baixos nos últimos anos
Os esportes olímpicos do Flamengo passaram por outras crises na última década. Em 2009, a gestão de Márcio Braga anunciou não ter verbas para renovar os contratos dos esportes olímpicos, exceto o remo e o basquete - o primeiro é uma obrigação assegurada pelo estatuto do clube, e o segundo tinha patrocinador próprio. O desgaste foi enorme com os principais nomes da ginástica, mas um acordo com a prefeitura de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, apareceu como salvação. A ajuda de R$ 80 mil mensais, no entanto, nunca foi dada, já que problemas burocráticos emperraram o acordo. O grupo ficou quase um ano sem receber salários, apenas utilizando a estrutura física disponível.
Acordo firmado com a prefeitura de Niterói não rendeu frutos em 2009 (Foto: Ag. Estado)
A eleição de Patricia como presidente do Flamengo, empossada em janeiro de 2010, fez os investimentos em esportes olímpicos crescerem. A mandatária negociou dívidas com salários da ginástica, fechou novos patrocínios para o basquete e investiu na natação, contratando Cesar Cielo como carro-chefe de uma equipe que contava ainda com Joanna Maranhão, Nicholas Santos, entre outros.
Patricia Amorim entre Cielo e Nicholas Santos: fim da gestão, fim dos contratos (Foto: Satiro Sodré / Agif)