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A Ponte para o Futuro e a Educação Nacional: de volta ao passado?
por Zacarias Gama
Nós todos saímos das lutas pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024 cheios de alegria, porque conseguimos fixar a meta de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação ao final do decênio. Ficamos ainda mais alegres com a destinação de 75% dos royalties do petróleo do Pré-Sal para a educação. Mas, o desenrolar da nossa crise política a partir das eleições de 2014, o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff e as articulações golpistas do vice-presidente Michel Temer, matam a nossa alegria e nublam o horizonte com grossas nuvens negras.
O programa de governo de Temer, denominado de Uma Ponte para o Futuro, ameaça diretamente a educação nacional, de todos os níveis e modalidades. A sua primeira palavra de ordem quanto ao seu financiamento é desvincular da Constituição e da Lei Orçamentária os gastos com Educação:
É necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação, em razão do receio de que o Executivo pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade, porque no Brasil o orçamento não é impositivo e o Poder Executivo pode ou não executar a despesa orçada.
O fim das vinculações constitucionais significa imediatamente que a educação pública, gratuita, universal e de qualidade social deverá ser financiada com a colaboração da sociedade. O Estado reduzirá o seu papel de provedor da educação pública, reservando para si a sua regulação e promoção, reconhecendo, todavia, a sua importância para o desenvolvimento econômico da sociedade. O papel de regulador significará o estabelecimento de metas, a delimitação de determinados parâmetros à atuação privada, a definição de currículos e conteúdos, assim como a configuração do sistema de avaliação. Como promotor deverá caber-lhe o papel de ser o seu controlador social e indutor da participação da sociedade.
Significa ainda mudar radicalmente o Art. 205 da Constituição de 1988, segundo o qual
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Com a mudança deste artigo será transferido às famílias o ônus da educação dos seus filhos. Em alguns estados brasileiros, como por exemplo Goiás, o processo privatista de transferência da gestão das escolas públicas para Organizações Sociais já ocorre de modo acelerado. Em dezembro de 2015, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), fez o primeiro chamamento público, para a seleção de OS (Organizações Sociais) para gerenciar, operacionalizar e administrar inicialmente vinte e três escolas.
É interessante notar que nenhuma linha, neste programa de um eventual governo Temer, foi escrita sobre o financiamento das universidades. Não obstante, o financiamento delas também correr risco. A Lei 13.243/16 que instituiu o Marco Regulatório de Ciência, Tecnologia e Inovação pode muito bem servir como prenúncio de um modelo de financiamento e gestão universitária em íntima associação com empresas, permitindo inclusive que pesquisadores em regime de dedicação exclusiva exerçam atividade de pesquisa também no setor privado, nos laboratórios corporativos com remuneração.
A educação básica, nomeadamente em sua modalidade profissionalizante, merece grande destaque. Indica-se o ensino fundamental e médio como prioridades e situa o foco na qualidade do aprendizado e na sala de aula. Para o ensino médio, que ainda denomina de 2º grau tal como na Lei 5692/71 de Diretrizes e Bases sancionada pelo regime ditatorial civil-militar, cogita uma reforma completa em termos de currículo, aproveitamento e terminalidade. A meta parece ser a de aproximar a opção pela educação profissional dos níveis europeus; lá 50% dos alunos preferem a educação profissionalizante, e aqui somente 8%. O PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, deverá ter continuidade e adquirir mais vigor, porém com ênfase nas necessidades imediatas dos mercados locais.
A diversificação de oferecimento do ensino médio, conforme as vocações e interesses, é também uma promessa, ainda que seja uma verdadeira volta ao passado, mais exatamente à vigência da Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Naquele tempo o ensino colegial era oferecido com diversas configurações: científico, clássico, normal, agrícola, industrial, comercial, contábil etc. Permitia-se a quem não gostasse de Matemática, por exemplo, dedicar-se integralmente aos clássicos da Literatura, História etc.
Esta ideia de especialização dos estudantes, no entanto, sempre foi contestada pelas limitações que impõe à formação do adolescente e pelo açodamento na formação de mão de obra qualificada. Os estudos a respeito sempre evidenciam as perdas que representa, ainda que os seus defensores, os mesmos que defendem a Teoria do Capital Humano, insistam em formar trabalhadores precocemente. O pragmatismo formativo leva-os a insistir numa formação referenciada a competências e habilidades esperadas pelo mercado de trabalho. Nos ambientes povoados por pesquisadores e cientistas da Educação são muitas as críticas às propostas educacionais contidas no programa Uma Ponte para o Futuro. Regra geral, elas têm essências economicistas e tecnicistas para realizar a educação de crianças e jovens, garantindo-se a constância dos fluxos idade-séries, baixa evasão escolar, controle dos gastos e ótimas relações custo-benefício.
Particularmente considero uma pena que políticas educacionais propostas para a formação de crianças e jovens no alvorecer de um novo século, ainda preservem ranços que já deveriam estar há muito tempo superados. A história da educação brasileira, em especial, tem acúmulo de críticas a eles, assim como exaustivos estudos acerca dos seus efeitos.
Ademais, por que esta proposta não tem a disposição de debater abertamente com a sociedade o modelo de educação de qualidade social que ela almeja? Por que repete o vício das produções fechadas em gabinetes e empurradas goela abaixo da sociedade? Por que o seu ou os seus formuladores deixam de avançar para além da LDB de 1996, preferindo usar terminologias típicas da ditadura e de um passado largamente criticado?
Estas perguntas admitem respostas que há muito tempo são conhecidas. Os nossos policymakers educacionais são indivíduos a serviço da realização do capital, que pouco entendem de como educar as crianças e jovens para outras finalidades para além do capital. São também autoritários e o pior, arrogam-se saberes que efetivamente não têm. Muito possivelmente nunca se deram ao trabalho de refletir sobre as finalidades últimas dos seres humanos. Se tivessem dedicado alguns minutos de suas vidas de gabinetes economicistas a elas, certamente concluiriam que todos nós, homens e mulheres, temos finalidades superiores para além da produção e reprodução das nossas existências materiais. O trabalho é para os seres humanos, mas não somos para o trabalho. É direito natural de todos nós a fruição de todos os bens terrenos colocados à nossa disposição. Nossa finalidade última é sermos sujeitos do mundo e da nossa própria humanidade. Nos reduzir ao trabalho é impedir o nosso desenvolvimento espiritual, em sua mais ampla acepção.
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